sábado, 21 de agosto de 2010

A história da Ovelha Amarela


Um rebanho de ovelhas vivia alegremente em uma planície verdejante e saudável. É claro que na média de dois dias eles tinham que dar uma volta em regiões próximas para que o campo renovasse e conseguissem alimentar-se ali novamente. As ovelhas viviam sempre conversando na maior parte do tempo, salvo os momentos que a fofoca parava e podiam comer. O convívio era gerenciado por um ser de outra espécie, um mamífero que andava em pé sobre duas patas e as outras duas para levar uns pedaços de pau que utilizava vez ou outra, para unir o grupo e tocar passagem a outro lugar.


Certo dia foi extremamente especial, enquanto as ovelhas comiam, outro grupo da mesma raça do ser que as acompanhava passou muito perto deles. Isso fez com que aquele amontoado de mamíferos que tinham chegado se confraternizasse com aquele que cuidava das ovelhas. O líder dos mamíferos decidiu acampar aqueles dois dias ali, junto com o novo amigo.

Era interessante notar-lhe a face, o mamífero líder das ovelhas conversava todos os dias com o líder do outro bando. Passaram em frente da barraca o tempo todo conversando. Claro que a conversa pausava toda vez que o responsável pelo rebanho tinha que se levantar e cuidar de alguma ovelha, por conta dos mais variados motivos.

Um cordeiro que tinha se perdido ou a mãe o tinha abandonado, a lã grande demais a ponto de quase matar a ovelha de calor ou tampar-lhe as vistas, machucados nas ovelhas que ele tinha que procurar. Mas, quando resolvido o problema voltava para ouvir as histórias do outro e se interessou por um determinante comportamento alheio. Toda vez que algo acontecia no grupo de mamíferos ou quando alguém foi prejudicado vinha um deles e pedia ajuda ao líder, que facilmente dava instruções. Assim também sucedia sempre que um mamífero fosse se ausentar, ou se machucava ou precisava de orientações. Foi aí que surgiu a conversa:

— Me diga amigo, como fazes para eles te procurarem ao invés de você ter que ir descobrir o que há de errado?
— Ora meu caro, é muito fácil. Eu sou líder desse povo, eles como meus subordinados me devem satisfação e relatórios. Assim também como lhes dou sustento e salário eles precisam entender que não sou obrigado a lhes procurar para saber os problemas das suas almas. Porém, sou muito bom e compadeço deles, assim estou disponível para lhes ajudar sempre que preciso, embora pela demanda de tarefas que possuo, eles precisam no mínimo fazer o esforço de me procurarem e esperarem um tempo hábil.
— Nossa lhe invejo!
— Ora meu amigo, se pudesse transformar essas ovelhas em humanos poderia desfrutar da liderança que tenho. Mas, nossos ramos de negócio são outros. Se algum dia resolveres abandonar as relvas verdes, tenho aqui muito material didático. Acredito que você rapidamente, lendo, aprenderá.

Isso foi o fim para alguns. Os dois dias se passaram e o mamífero com seu rebanho precisou voltar para o rodízio de pasto, o outro pegou seu povo e partiu. A rotina continuou, porém o mamífero decidiu que queria ver aquilo diferente, se ao menos pudesse ensinar as ovelhas a terem um comportamento mais humano, seria fácil. Afinal não exigia muito, o trabalho que elas teriam era apenas de procurá-lo gemendo e mostrar o machucado ou ficar na estrada gritando alto o suficiente para que ele ouvisse de longe. E assim, usando os livros começou a sua utópica tarefa.

Algumas ovelhas pareciam ter se transformado em humanas, e assim o mamífero ficou bastante feliz. Porém, a conversa entre as ovelhas era:
— Acredito muito no potencial desse mamífero!
— Credo! Há dias não consigo nem vê-lo, a lã já me cobre os olhos quase por inteiro!
— Ah, eu também tenho esse problemas, mas não sou acomodada igual você! Eu mesmo arranquei o excesso mordendo.
— Que horror! Selvageria pura! Ele que deveria nos ajudar, veja os machucados que você lhe causou!
— Ah, bobagem. Eu suporto!
— Eu não sou idiota como vocês todas — respondeu outra se enturmando — ouço a voz dele e sigo, mesmo sem enxergar nada.
— Que voz?
— Ora a voz dele!
— Tem tanto tempo que ele não caminha no nosso meio que nem me lembro tão bem assim da sua voz.

E a conversa se seguia, ao longe quase 2 km do rebanho vinha um cordeirinho que há dias ficou atrasado no caminhar do grupo. E estava a cada dia mais doente, a lã ainda permita a visão, todavia estava ficando praticamente amarelo. Assim, devagar quase parando, conseguiu se aproximar das ovelhas, mas a fofoca era tão alta que não lhe deram atenção. Ficou próximo ao mamífero, mas ele dedicava atenção à fila interminável que lhe procurava pedindo ajuda. O cordeiro solitário caminhou um pouco e cai de sono ao chão, por conta do estômago que lhe era um prejuízo na hora de alimentar-se.

Quando o cordeiro, enfim, acordou viu que tinha sido largado. E agora como fazer? Viu descendo a planície uma área escura, porém com árvores grandes. Porém ao olhar ao redor e ver que estava sozinho em campo aberto, lembrou das raposas da região e preferiu se esconder descendo a planície.

Chegou lá e se afugentou dentro de um tronco de árvore. Passado alguns minutos ouviu um "toc-toc" do lado de fora. Tirou a cabeça para fora e viu um pequeno lagarto lhe olhando.

— Credo! Que ovelha amarela feia e horrível é você!
— Não tive culpa, fiquei assim. — respondeu envergonhada.
— Não tinha um pastor para te ajudar?
— O que é um pastor?
— Aqueles mamíferos compridos que andam com vocês, ovelhas!
— Ah, sim! Tinha um, sim — baixou o olhar deixando a tristeza vir à cara.
— Ah tá! Você é mais uma das mesmas!
— Do que está falando?

O lagarto inquieto apontou para uma trilha que ia longe — Olha, não tenho nada a ver com histórias de ovelhas, mas dizem por aí que o grunhido de dor da maior quantidade de ovelhas conseguiria ser ouvido ao longe. E chamar a atenção do Pai dos Mamíferos, ao ponto dele vir ajudá-las e socorrer os seus males. Não acredito nisso! — o lagarto virou de costas e partiu caminhando — Porém, um bocado de ovelhas feias e amarelas costumam caminhar por essa trilha e se juntarem para ficarem grunhindo.

— E como saberíamos que o Pai dos Mamíferos ouviu? — perguntou aos gritos para o lagarto que se distanciava.
— Os magos dizem que quando o céu se tornar azul no meio da noite é porque ele estaria vindo.

O lagarto se entocou entre as folhagens, o cordeiro olhou para a trilha e passou a caminhar. Correr. Até cair ao chão mais uma vez, sabia que era o fim. Percebeu que caiu em outro campo aberto, tentando remexer a  cabeça viu inúmeras ovelhas amarelas caídas ao chão, algumas ainda gruíam. Ele tentou, mas quando o fez terminou com seu último fôlego, apagando lentamente. Era noite.
— O que o horizonte mostra, será que é azul?



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